Le Mans é...
A Grande "Farra"
França! Le Mans! Competição, Automóveis, Técnica, 24 horas para não esquecer... Mulheres bonitas,
o "ar", o "ambiente", o "cheiro"... Quem lá vai... pensa sempre regressar... e, mesmo adiado, o
regresso continua desejado.
Le Mans é um "mundo" Frase feita; divulgada e banalizada. Mas... verdadeira! Le Mans... não são as 24 Horas de prova, de "course", como dizem os franceses. Le Mans não é só a pequena e simpática cidade. São os museus automóveis, os restaurantes luxuosos e as tascas de petiscos, os "marchés des pouces" ou feiras da ladra nascidas nas esquinas, as aguarelas expostas dos pintores que aspiram a "nome", as barracas da "mulher serpente e do homem elefante", das Stripers aos clubes de "travesti", da caneca de cerveja alemã ao mais puro, ou adulterado, champanhe francês, do Carrossel á Grande Roda, do "O simpático.., vai um tirinho" ao mais moderno jogo de computador, do livro mais caro e bem apresentado á revista mais "foleira" e rasca... Le Mans são também os grupos excursionistas. Dos louros, encalorados e simpáticos suecos, noruegueses ou finlandeses, aos avermelhados alemães ou irlandeses toldados pela cerveja, acompanhada, sempre, pelas inseparáveis salsichas. Do carismático turista inglês saudoso dos Bentley, Jaguar ou Aston Martin, normalmente bem comportado, que emborca uns copos para esquecer a Glória das suas marcas tão idolatradas e, apenas procura um lugar para se estender até ao dia seguinte, na esperança ténue de que a alvorada lhe traga a subida na classificação de um qualquer British Racing Green... aos grupos "holigans" aonde impera a bebida, a porrada e a destruição e desconhecem as marcas, pilotos e carros em prova... Nem sabem porque lá vão... só que têm que ir... Os italianos, sempre em grande número, não passam despercebidos. Barulhentos, gesticulantes, "tifosi" a 300%, fazem a festa entre eles. Excepto quando ao franceses lhes acenam com a Matra ou Alpine... e, aí... "Mamma Mia...". O espanhol e o português gostam dos automóveis. Compram miniaturas, revistas, "souvenirs" e, claro vão para o engate... A noite de Le Mans é mais que únicà. Ou porque chove, faz frio ou é um "calor do caraças". Podem surgir tendas ou plásticos por todo o lado, as fogueiras acesas podem recordar uma noite Tap-Vinho do Porto, de Arganil ou Lousâ, ou toda a gente pode estar semi nua, tronco nú contra os faróis potentes e fugidios dos carros na pista. As boxes são uma romaria para os mais "expert" ou... mais novatos. Carregados de cameras, listas de inscritos e com o inseparável "le Maine", não deixam trabalhar ninguém em paz. Qualquer piloto que tenta repousar, mal abre um olho, vê cair-lhe em cima vinte papéis, e outras tantas esferográficas, para o tão ansiado autógrafo. E, nisto os Japoneses são mestres. O barulho dos altifalantes, das músicas pimba e, não só, dos vendedores de milagres, de pomadas para todos os gostos, de seitas políticas ou religiosas tentam sobrepôr-se ás notícias oficiais, aos apelos á criança perdida, á solicitação de um médico de urgêncIa... Há quem repouse... mas, são poucos. Estendem-se, tentam passar pelas brasas. O barulho da feira, o roncar dos motores, torna a tarefa impossível, mesmo com uma caixa de Lorenins... De manhã o ambiente lembra um acampamento em desordem. Lixo por todo o lado, jornais esvoaçantes, embalagens de água, garrafas de refrigerantes e latas de cerveja por tudo o que é sítio. Aonde há uma torneira de água há uma bicha para lavar a cara. Nem se adivinha aonde, de repente, se descobriram tantos baldes... Depois o interesse pela "course" regressa. As notícias são ávidamente escutadas, Os jornais esgotam-se, todos sabem as últimas. E a manhã escoa-se rápida enquanto o segundo ganha tempo ao primeiro que parara nas boxes. Olham-se os relógios, com ansiedade... dá, não dá... O carro acaba por arrancar... não deu. Os aplausos misturam-se com os assobios. Já falta pouco. A multidão vai-se encaminhando para a linha da chegada, os gendarmes formam linhas protectoras. Tudo debalde. Os carros terminaram, chegaram ao fim de mais uma edição das 24 Horas. Os aplausos e o champanhe dos vencedores coincide com os que se apressam a partir. O cansaço e o sono aparecem em força. Quanto tempo ainda para se sair dali! Sentados ou deitados, sós ou em grupos, por ali vão ficando mais um pouco. Que podem ser horas... e só quando os Serviços de Limpeza iniciam a sua faina, quando as barracas se desmontam, quando as agulhetas limpam o asfalto e as bancadas a retirada se consuma. Já com saudades... pensa-se no próximo ano. E na próxima farra.
Jorge Curvelo
99 |
"Les 24 Heures"
Desde a infância que a "competição" está latente em todos nós. Ou,
porque corremos mais depressa, porque temos mais força somos mais ágeis, saltamos mais alto,
etc... Aconteceu... sempre!
Nasce o Automóvel e... isso implica novas velocidades, resistência, técnica, virtuosismo... O embate é inevitável, a corrida... obrigatória! O Desporto automóvel nasce com o simples encontro, casual, de dois carros, numa "estrada"... As provas proliferam, as primeiras corridas, em estrada aberta, causam os primeiros acidentes e, a noção de "regulamento", surge. Com "leis" correm-se os primeiros "Grand Prix", quer em circuitos improvisados ou em estradas unindo cidades importantes. E, também, acontecem os primeiros Raids, mistos de corrida e aventura. Das mais antigas e importantes restam três "clássicas": Indianápolis, Le Mans e Mónaco, de características distintas, carros diferentes e Campeonatos independentes. Indy é, de longe a mais antiga, uma oval de velocidade para monolugares.
Nos fins de 1922, Faroux, o director de "La Vie Automobile", recebe
Georges Durand que lhe expõe a ideia de organizar, em Le Mans, uma corrida em moldes inovadores.
Começa por sugerir uma corrida NOCTURNA!!! que obrigue os construtores a aperfeiçoar o sistema
eléctrico e de iluminação dos carros. Ah!... e restringindo-a a carros de série.
Convém referir que, na época, os motores eram demasiado possantes para
frágeis chassis, as suspensões de duração muito limitada e os pneus fracos, mal construídos ou
concebidos. E, na parte eléctrica e de iluminação... nem falar.
As distâncias a percorrer durante as 24 Horas eram função da
cilindrada do motor e, fixas, com penalizações rígidas -eliminação imediata- ás 6, 12 e 18
horas de prova consoante as distâncias percorridas. Dava-se uma margem de "atraso" que
variava dos 20% ás 6 até aos 10% ás 18 horas. Era uma aposta tremenda mas, largamente difundida nos jornais, o utente -o Monsieur Tout-le-monde - aderiu em massa ao desafio. Nada restava aos construtores senão alinharem... neste autêntico banco de ensaio público.
Dezoito marcas construtoras aceitaram o repto: dezasseis francesas,
uma inglesa e uma belga.
Alinharam 35 carros, terminando 32. O Bentley estabeleceu a melhor
volta em 9'39", o que corresponde a 107,328 Km/h. O traçado de 17,262 km era o mesmo
utilizado no GP França de 1921. O Mito de Le Mans nascia... e renasce, ainda hoje, em cada ano que passa...
A prova não se realizou em 1936, devído ao movimento económico-social
que assolou a França e a Europa.
Assim acompanhámos a criação de um Mito, a coragem de um ir contra o
"Sistema", o nascer de novas regras, a implantação de um novo conceito de competição automóvel,
da noção de Provas de Resistência, de um banco de ensaio técnico, único no Mundo. De que somos,
a maioria das vezes, sem saber, os grandes e felizes beneficiários.
Jorge Curvelo
99 |